Parte I) Epitáfio Dias, surto.

terça-feira, 5 de julho de 2011





- O tempo é um modificador de circunstâncias.
- “Ouvi atentamente, mas não aceito. Era fatídico de mais para mudar do nada. Mudar de um dia para outro?! Preferir a modificação instantânea?! Se tempo modifica, porque não me modifiquei?” - Pensava Epitáfio.
Escritor, famoso no mundo virtual, belo nas palavras líricas, contundente na oratória cotidiana, homem com trajes arrojados à moda antiga; nada mais que camisa de botão listrada, calça jeans e sapato Samello. Fumante, grisalho, solitário, perspicaz, divorciado, funcionário público, filósofo, enfim, o que mais dizer?
Do outro lado da mesa: Olhar fixo e disciplinado, óculos quadrado, tarde findando-se entre a janela, pernas cruzadas, mão no queixo, cotovelo apoiado na mesa, apenas olhando.
- O problema não seria o que você conceitua?
- Não. O conceito que me perturba não é aceito pela maioria!
- E se o problema fosse resolvido com uma... talvez uma atitude só?!
Epitáfio se calou. Levantou-se do divã. Correu para janela. Afoito, perturbado, ensimesmado, ódio nas veias, as suas mãos bagunçam os restos de cabelo, e grita:
“Louca vida a que me pertence,
Quero o prazer de volta,
E, se me deixar levemente,
Brota neste coração idiota,
Meu mundo...”
Todo mundo que passava olhava, ouvia, se assustava, era Epitáfio. Surtou.
Desespero tomava conta da mente; Resurgiam os personagens, estavam perto, um sentado no braço do sofá, outro na porta querendo ir embora, e o Doutor Jones olhando para ele.
- Epitáfio, Domine-os!
- Seu mundo é seu, mas não pode obrigar que outros vivam nele!
- Cale essa boca... – Encolhido, agachado, no canto da parede, suado, camisa desabotoada, ofegante, alucinado, chorou Epitáfio. Aliás, amargamente chorou soluçando.
Não queria levantar daquele canto, estava menor agora, sobressaltado, porém tímido em si, esquisito, desgovernado.
- Para, para, para, pa... para, para... pa... ra..., CHEGA!!!
Dr. Jones abre o armário, olha para Epitáfio, não conseguiu decifrar o que desencadeava tanta amargura, tanta tristeza, tanta dor; e assim, pegou o comprimido, colocou-o em cima da mesa junto com o copo com água, uma receita prescrita, o celular, as chaves, a carteira de Epitáfio.
- Pegue a medicação e beba a água. Vai te fazer bem!
Epitáfio Dias, ser humano normal antes dos surtos tão normal que não queria sair do mundo que idealizava, tão normal que não queria se anular.
- “Dorme um pouco mais, amigo, que o tempo modifica até a nós mesmos” – Jones pensa consigo mesmo.